quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Sou todo saudade


Todos nós deixamos pegadas em alguma praia.
Registros em alguma areia.

Acredito que de alguma forma nossos rostos estejam eternizados nos espelhos d'água, que nossos sorrisos constituam parte de algum céu e nossos risos sejam audíveis na fauna e flora.

Creio que mesmo os pequenos grãos e as diminutas gotas tenham registrado nossa existência: nossos abraços, ontem, e minha saudade, hoje. E julgo-os capazes de depor ao vento nossa intensa e finita felicidade.

Afinal, seria injusto manter toda aquela vida apenas em memória.
Não seria?

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

O escritor


- A vida as vezes é engraçada, sabe?

"Quando eu era pequeno, sonhava em ser bombeiro. Algo repleto de ação, entende? Ao menos essa era a idéia que eu tinha na época. Apagar fogo, salvar pessoas... Parecia um futuro promissor. Ideal e até simples, quem sabe. Mas daí vieram as matérias difíceis da escola. Português, matemática, física. E eu nunca gostei muito delas. Nunca me dei bem em nenhuma. Daí acabei desistindo de tudo. Largando sonhos, amigos e escola.
"E o estranho é que nunca pensei nisso como um erro.
"Minha vida começou a vagar sem rumo, sem qualquer planejamento. Meus pais... Hm... Acho que nunca me dei muito bem com eles também. Meus pais diziam que eu estava errado, jogando minha vida fora, que iria me arrepender no futuro... Coisas que todos ouvimos, não é? E talvez eles até tivessem razão, sabe? Afinal, todo dia de nossas vidas jogamos tempo fora. Todo dia que passa significa menos tempo nas nossas vidas, certo?

"O que eu sei é que estou aqui, e nem sei bem como. Vivendo sem qualquer ambição, sem nunca me sentir importante. E eu sempre achei que ninguém iria gostar de mim, também. Acho que isso sempre me incomodou um pouco. Mas, é claro, sempre há alguém para a gente.

"Basta olhar ao redor e querer ver, não é?

"Quando conheci ela, tudo mudou. Tudo que eu achava certo passou a ser errado. Entende o que eu digo? Fiquei totalmente de cabeça pra baixo. No início, achei que não ia me acostumar. Estava morrendo de medo, nunca tinha vivido aquilo. Mas com o tempo vi que não, que se aquilo aconteceu era porque talvez existisse um motivo. Procurei um emprego fixo, coisas de pessoas normais, sabe? Na verdade, pouco importa o que eu fiz. Não vou ficar remoendo isso aqui.

"Pode deixar.

"Onde eu quero chegar é que, pra ser bem sincero, eu nunca achei que iria ser alguém... E será que sou alguém hoje? Claro que não! Eu não sou ninguém. Mais um no mundo, talvez. Mas sabe o que eu penso de tudo isso? Perfeito! Faça um teste você mesmo. Feche seus olhos e olhe para o seu passado. Pense um pouco e me diga o que você vê.

"Não sei se a gente vê a mesma coisa.

"O que eu vejo é uma história linda. Um livro escrito por mim. Incrível, não é? Logo eu que nunca pensei em escrever nada. Que nunca quis contar nada e que nunca teve nada para contar. Mas ai está. A minha história. E só fechar meus olhos e ver. Quando você fecha os olhos e lembra de algo, você não vê o livro de sua vida também? Eu vejo vários capítulos. E tem de tudo neles. Pra ser sincero, outra vez, nem parece que sou eu o autor, mas está lá. Eu vejo e sinto. Minha vida é uma historia de acertos, erros, altos e baixos.

"Mas todo mundo sabe disso.

"E minha vida é a minha história favorita, pra você não dizer que eu estou mentindo.

"E lá no fundo, eu tenho um pouco de esperança também, sabe? Acho que todos nós podemos ser alguém, na verdade. Acho que podemos importar para outras pessoas. Independentemente da vida que a gente leva, do que faz, do que prefere. E quem, talvez, seja justamente essa a graça da vida. A possibilidade escrevermos cada um sua própria obra.

"Só não me pergunte se este é o capítulo final, ok?

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O contador de histórias


Era tempo.

Deitado em uma cama e coberto com um fino lençol, seria novamente ator em sua própria história, sujeito de seu caminho e narrador de suas lições. Para uma pequena platéia, composta por alguns médicos e amigos, contaria pela última vez os fatos de toda sua vida.

Se parecia velho e cansado, sabia como ninguém juntar frases, criar contextos e transparecer emoções. Tinha carisma. E do alto de sua grave voz fazia da mais simples ação, aurora; do mais monótono diálogo, música.

Abriu seus olhos. Olhou ao redor. Respirou fundo e fez uso das lembranças ainda vivas em sua pele e memória. Início, meio e fim. Recordou cada passo dado e seus destinos. Lembrou as palavras proferidas e todas as emoções que um dia habitaram seu coração.

Ele gastou suas últimas palavras narrando erros e acertos, derrotas e vitórias. Fez com que aquele momento se transformasse em um sopro de inspiração e significado para os presentes. Mesmo sem nunca ter tido uma vida para chamar de sua.

E enfim, fez o que mais esperava.
Tornou a fechar os olhos e vagou em definitivo para outro mundo.

Um homem que preferia sonhar a viver.