terça-feira, 28 de setembro de 2010

Céu


Eu estava cansado de minha rotina. De acordar cedo, de todas aquelas infrutíferas horas na mesa de trabalho, no trânsito. Tudo tinha perdido a graça, e pouco a pouco - tenho consciência disso - me tornei ranzinza. Ácido. Qualquer ruído era muito pra mim. Uma só palavra era demais. Excessos que eu não estava mais apto a aturar.

Meu rosto, então, ganhou uma expressão vazia. Lábios em linha, olhos sem alma. E o resquício de o que fui um dia vagava a espera de um motivo para rir. De uma fonte de verdadeira paz, luz e alegria.

Um brilho.

Olhei para o céu e a lua sorria para mim.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A bola


A bola ainda quicava quando terminou de atravessar a rua. Bateu de leve no meio fio e deixou-se conter. Entre o asfalto e a calçada, observou o menino que a perseguia reduzir os passos e encarar outro alvo. Abandonar o vermelho vivo e plástico pela luz cintilante e dura de uma vitrine.

Antes de ficar completamente inerte, ainda deitou-se levemente de lado para chamar atenção, para se destacar entre os "cinzas" e lembrá-lo de que estava ali. Queria ser pega nos braços o quanto antes, sentir-se importante. E fez desse um último esforço para ser recuperada.

Não adiantou.

Tão logo o sinal abriu e os carros voltaram a andar, se assustou com o que pode enxergar. Entre o vai e vem dos veículos, um show de luzes, raios, flashes e sons teve início. Coisas de outro mundo. Coisas que bola nenhuma deveria ver.

Ela tinha medo de ser trocada, sentia ciúmes. Era muito nova para suportar aquilo e não estava nem um pouco preparada. Fechou os olhos com força e começou a tremer.

O inimigo, entretanto, era muito mais perigoso do que ela previra. Não eram brinquedos que o menino via através da vitrine. Ele vislumbrava a si mesmo. Seu reflexo, seu eu.

Naqueles poucos instantes que se sucederam, ninguém poderia explicar o que houve. A pele crescendo, as feições lentamente mudando, pequenas rugas surgindo, vincos...

Um olhar menos inocente se instalou naquele rosto, então.
E quando ele voltou a fitar a bola, já era tarde demais.

Ele não era mais um menino.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010


Quando você decepciona demais as pessoas, o melhor a fazer é se encolher. Juntar sobre si tudo que é seu e deixar de ser notado. Desaparecer pouco a pouco das vidas e dos mundos. Desligar-se de tudo e de todos.

Assim, desaparece a fonte de sofrimento e tudo se torna vazio. Apenas seu eu. Um ser solitário a vagar a pensar. A viver e lembrar.

As vezes.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Meus dois mundos


Sonhei.
Uma casa em que nunca estive, pessoas que nunca vi e...

Ao redor, tudo secundário e superficial. Eu podia ouvir vozes, ver rostos, mas não era capaz de identificar suas variações e sentidos. Meros vultos e vibrações. Corpos sem importância.

Minha única certeza era...

Estava claro. Havia um belo céu sem nuvens e um sol agradável. E, tão logo anoiteceu - o tempo voa enquanto sonhamos -, lua e estrelas se puseram a brilhar. Era lindo!

Mas não tanto quanto...

Sim, você estava lá. Com seu olhar, riso e beleza - o que não deve significar muito. Afinal, eu sabia que era um sonho. Você era tão real quanto minha felicidade e sorriso, uma vívida ilusão.

Acordei.
E você se foi.