terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Um homem de palavra

Ele falava ao telefone.

- Tenho. Tenho muita saudade de você, amor. Tem se cuidado por aí? Anda tudo bem? - Aguarda a resposta do outro lado da linha - Sim, por aqui tudo bem, também. Eu só sinto sua falta... - Abre um riso tímido. Deve ter ouvido algo alegre vindo dela - E você volta quando? Hm... Entendo - Diz com um ar arrastado e triste - Acho que vou aproveitar para por o trabalho em dia, então. Mas você sabe que eu estou aqui para tudo, não sabe? - Outra pausa - Tudo bem. Se cuide e mande um abraço para o seu irmão, ok? Aproveite para matar a saudade. Eu também amo você. Muito. Boa noite, amor. Beijo.

E ele desliga.

Coloca o celular no bolso da calça, atravessa a rua e entra em um restaurante francês. Lá dentro, beija ardentemente os lábios uma bela e jovem mulher. Ergue os olhos para o relógio delicadamente pendurado na parede oposta e constata: oito horas, exatamente como combinado.

Sem sequer um minuto de atraso.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Sempre ele


Sete horas da noite.

Ele não sabia mais o que fazer e decidiu sair de casa. Calçou seu tênis menos surrado, vestiu sua camisa favorita e não voltou atrás. Bateu a porta da frente com força e avançou sem olhar para qualquer um dos lados. Para nenhuma placa ou pessoa.

Com o coração saindo pela boca, fitava o horizonte. Possuía olhos ausentes e inexpressivos, escondia suas mãos nos bolsos da calça e caminhava a passos largos e levemente acelerados.

Não tinha um rumo.

Quando recuperou parte da sensibilidade na ponta dos dedos - perdida com o choque sofrido há poucos instantes - cravou as unhas na carne em busca de alento. O torpor de seu corpo não interessava mais. Ele buscava outra dor para ocupar sua mente e sentir-se vivo.

Queria ter certeza de que aquilo tudo era real.

Perdido em pensamentos, seguia com uma fisionomia fria e dura enquanto lembrava do primeiro olhar, do primeiro beijo. Baixava levemente as pálpebras enquanto a sensação do primeiro toque subia por suas costas e forçava os dentes quando as últimas palavras inundavam seus ouvidos.

Ele realmente não queria ouvir.

Mas não fora ele quem sempre amou mais?
Não fora ele quem sempre se importou e acreditou mais?

Ironia.
Seria ele também quem sofreria mais no fim.

Sempre ele.
Só e vazio.

Acompanhado apenas de saudade e pesar no peito.

domingo, 12 de dezembro de 2010

O espaço


Um vento forte e gelado roçou meu braço, fazendo um fraco arrepio subir por minha espinha. Consternado, passei os olhos pelo quarto até descobrir uma janela timidamente aberta, negligenciada por mim algumas horas antes.

A noite avançada lentamente quando levantei para fechá-la. Mas, frente a frente com a causa de meu despertar repentino, parei. A vista da noite era tão linda que não pude ter outra reação senão contemplá-la.

Senão inspirar aquela beleza ímpar e deixar-me envolver pela cena.

Junto de todos aqueles lindos e brilhantes astros, naquele incrível mundo aberto aos olhos de quem vive a noite, erguiam-se também algumas de minhas mais valiosas memórias. Gestos e sorrisos que não tardariam em inundar minha mente.

Palavras vindas de muito, muito longe.

"- O que vemos no céu é o passado, sabia? São o que todos aqueles planetas e estrelas foram um dia. As cores, as formas... Tudo!

- É verdade? Então o que vemos no céu não é o presente, mamãe?

- Não, meu filho. De certa forma não, ao menos. Muitas daquelas estrelas podem nem existir mais, mas continuam lá em cima brilhando para nós.

- Como assim?

- É que elas estão tão longe que a luz delas demora anos para chegar até aqui. E, quando chega, o que a gente vê não é mais como o astro é, mas sim como era. Entende?

- Hm... Acho que sim, mamãe.

Silêncio.

- O que foi, filhinho? Que carinha é essa? - diz ela abrindo um sorriso tenro e carinhoso.

- Nada, mamãe. E só que...

- É só o que? Eu falei alguma coisa errada?

- Não. Não foi nada. Eu só fiquei me perguntando... Se algum dia algo separar a gente e eu olhar para o céu, vou rever esse momento? Vou me ver sentado com você aqui de novo?"

Ela me fita com um olhar bondoso e me abraça com força.

- Claro, meu filho. Eu vou sempre estar com você."

E ela tinha razão.
Aqui, nove anos depois e no meio da noite, não me sinto mais sozinho.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Nenhum


No meio de "Lugar Nenhum", erguia-se uma única e simples casa. E, dentro dela, vivia um único e infeliz homem.

A casa, que de fato não merecia tal nome, era muito velha, e estava mais para um "local-circundado-por-quatro-frágeis-paredes-de-madeira-e-um-teto" do que para qualquer outra coisa. E o teto, bem... Tampouco merecia ser chamado assim.

Também do lado de fora nada era decente ali. A terra virava barro, quando algum milagre trazia a chuva, e depois voltava a ser terra. Sem nenhum sinal de qualquer fauna ou flora - nem grande, nem pequena; nem viva, nem morta.

Ou, ao menos, assim era até o Rio chegar.

Quem diria que "Lugar Algum" tinha alguma montanha? E quem diria que dessa uma nasceria e desceria destino a casa do homem sozinho um persistente, insistente, resistente e valente Rio?

Pois então... O Rio chegou e mudou tudo.

Ele transformou o nada, e do choque sofrido pelo todo surgiram as primeiras cores. Com as cores, vieram também os primeiros animais, mudando pouco a pouco aquele pedaço de terra chamado "Lugar Nenhum" e encantando seu mais antigo morador.

O homem, que até então se alimentava de tédio e bebericava doses amargas de tristeza, gostou muito daquilo que viu. Não sabia como tinha chegado ali, mas gostava. Estava feliz e pensava até mesmo em mudar o nome da cidade para comemorar.

Para "O Lugar", talvez.

Ele só não sabia que nem todo presente vem e simplesmente fica. É preciso cuidar e é preciso cuidado. E ele ainda ia demorar um tempo para entender que quase tudo é eterno enquanto dura e depois acaba.

Mas, como a história termina aqui, não sei dizer que fim o homem levou.

Só posso afirmar que sem o Rio ele não era nada. Que sem aquele persistente, insistente, resistente e valente Rio, ele era nenhum.