quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Os dois lados de uma mesma rua


A valente e destemida luz do sol conseguiu vencer o bloqueio dos prédios e fazer brilhar os paralelepípedos irregulares que revestiam aquela rua. Eram sete horas da manhã de um sábado, e, junto ao amanhecer, soprava um vento frio e úmido por ali.

As calçadas opostas - tão semelhantes que sugeriam uma imagem espelhada - já trepidavam com o pulsar de alguns passos. Eram simples e feitas de cimento, mas capazes de carregar sonhos e saudades por muitos e muitos metros, de fazer decolar desejos e de destruir ilusões.

Não seria diferente naquele dia.

Subindo a rua, alheia a qualquer imagem ou som, vinha uma menina bonita mas de rosto completamente fechado. De lábios contraídos, ombros caídos para a frente e com passos tão miúdos que a faziam parecer ainda menor e mais frágil.

Ela não era adulta, bem verdade. Porém as linhas de seu rosto atestavam que aquela não era a primeira vez em que sofria. O motivo de sua tristeza era um dentre vários outros obstáculos em sua vida marcada por sulcos de dor e lágrimas, por provas de coragem e superação.

E ela continuava em frente.

Do outro lado, por sua vez, vinha um menino feliz. Descia a rua pulando e assobiando sua música favorita. Com os pés descalços e os tênis na mão esquerda, ria com o corpo e possuía um brilho ímpar no olhar. Era também bastante jovem e parecia mais humilde que os demais transeuntes.

Aparentava estar bastante leve.

Talvez ambos estivessem focados demais em seus dramas pessoais para compreender a beleza daquela situação. Eles iriam passar um pelo outro, isso estava claro. Poderiam trocar olhares, mas não muito mais do que isso, e não deixariam de ser quem eram ou de sentir o que sentiam.

Eram pessoas, duas histórias e duas formas distintas de ver o mesmo mundo.
Separados por uma simples rua.

6 comentários:

Maíra K. disse...

Pois é, às vezes ficamos tão focados em nossos problemas ou em agluma meta e objetivo qualquer, que não conseguimos perceber o que está a nossa volta e como é belo!

;*'s

Victória Resende. disse...

Concordo plenamente com o que a moça aí de cima falou. Seu texto me lembrou algo que o Caio Fernando Abreu cita em um de seus contos: "E que uma palavra ou gesto, seu ou meu, seria suficiente para modificar nossos roteiros."
Lindo conto, parabéns! (:

Ah, deixei um selo pra ti em meu blog, se depois quiser passar lá pra pegar..

Beijão, bom restinho de semana.

Camila Fontenele disse...

As ruas levam mais histórias que qualquer outra coisa, só perdendo para o coração.
É engraçado, eu as vezes faço isso, analiso e até me lembro de algumas coisas.
As ruas não só tem nome de gente morta, mais também de amores, tristezas, felicidades e por ai vai.

Gostei da reflexão e dos detalhe, poucas pessoas conseguem detalhar tão bem os paralelepípedos. rs

Um beijo!

helena. disse...

Acho que quase todos nós acabamos perdendo momentos por estarmos focados em nosso próprio mundo.

Adorei o texto, pra variar.

Unknown disse...

Adoro seus contos! São realmente bons, parabéns!

Unknown disse...

Amo seus contos! São muito bons, parabéns.