sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A bola


A bola ainda quicava quando terminou de atravessar a rua. Bateu de leve no meio fio e deixou-se conter. Entre o asfalto e a calçada, observou o menino que a perseguia reduzir os passos e encarar outro alvo. Abandonar o vermelho vivo e plástico pela luz cintilante e dura de uma vitrine.

Antes de ficar completamente inerte, ainda deitou-se levemente de lado para chamar atenção, para se destacar entre os "cinzas" e lembrá-lo de que estava ali. Queria ser pega nos braços o quanto antes, sentir-se importante. E fez desse um último esforço para ser recuperada.

Não adiantou.

Tão logo o sinal abriu e os carros voltaram a andar, se assustou com o que pode enxergar. Entre o vai e vem dos veículos, um show de luzes, raios, flashes e sons teve início. Coisas de outro mundo. Coisas que bola nenhuma deveria ver.

Ela tinha medo de ser trocada, sentia ciúmes. Era muito nova para suportar aquilo e não estava nem um pouco preparada. Fechou os olhos com força e começou a tremer.

O inimigo, entretanto, era muito mais perigoso do que ela previra. Não eram brinquedos que o menino via através da vitrine. Ele vislumbrava a si mesmo. Seu reflexo, seu eu.

Naqueles poucos instantes que se sucederam, ninguém poderia explicar o que houve. A pele crescendo, as feições lentamente mudando, pequenas rugas surgindo, vincos...

Um olhar menos inocente se instalou naquele rosto, então.
E quando ele voltou a fitar a bola, já era tarde demais.

Ele não era mais um menino.

2 comentários:

Maíra K. disse...

Quando realidade bate à nossa porta é duro mesmo! E principalmente aquela que nos mostra que crescemos, que temos responsabilidades, etc.

Mas cada fase da vida tem sua alegria, cada uma delas nos ensina algo, seja bom ou ruim, aprendizado é sempre bom!

Beijos, bom fim de semana!

Anônimo disse...

Nossa! A cadência deste texto é impressionante.

Te sigo. Posso passar por aqui de fez em quando?